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Entrevista com Jiddu Saldanha (Jidduks)

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Foto: Rico Smith

Nasceu em Curitiba em 3 de janeiro de 1965. Tem 6 livros publicados dois em parceria com o poeta do Amapá, Herbert Emanuel.
Fundou, em 2017 o Sebo do Jidduks e dedica-se à atividade livreira. Atualmente criou o projeto “Abrace um Leitor”. Projeto de doação assistida de livros para identificar leitores que não podem comprar livros.

Artur GomesQuando  você chegou ao Rio de Janeiro em 1992, fomos apresentados por Samaral que na época publicava o jornal  de poesia Urbana.
Antes de conhecer você com a sua mímica, cheguei a ler alguns textos teus publicado na revista Urbana.  A primeira vez que te vi atuando como mímico foi em 1996 no Congresso Brasileiro de Poesia em Bento Gonçalves.
Mas lá você já se apresentava falando poesia.
Quando se deu e de que forma começou a acontecer o seu diálogo com essas duas linguagens?

Jidduks – Você tocou num assunto que me emociona, essa pergunta oferece uma radiografia e um recorte de toda a minha vida até aqui. As coisas foram acontecendo. De forma concatenada, nada era pensado ou calculado, mas eu tinha uma intuição de que eu era muito mais um cara da literatura do que do teatro.
Em Curitiba, entre 1985 a 1992, eu bebi no grande Rio. Andava com Hélio Leites, Kátia Horn e Carlos Careqa. Mas já no final dos anos 70 eu tinha topado várias vezes com Leonardo Henke, Helena Kolody e Geraldo Magela. O Helio Leites e o Marcelo Miguel tinham um coisa comigo, eles queriam me ver incluído, pois eu tinha uma forte timidez social e uma certa paranóia de racismo, pois em Curitiba eu sobrevi até mesmo a um linchamento, literalmente falando, até hoje ouço a voz de alguém dizendo “vamos matar esses pretos”! Foi a Dona Nair que nos salvou, mas esse é assunto para terapia…
Tive uma fase Leminski em por volta de 1987 e em 88 eu já fazia performance na rua das flores, em Curitiba. Inclusive, fiquei sabendo da morte do Leminski entre uma e outra apresentação. A gente também frequentava o “Bardo Cardoso”, que era um bar universitário criado por um grande poeta de lá, o querido Alberto Cardoso que lançou, naquela época um livro seminal chamado POENAU. Logo quando me tornei mímico carimbado na cidade, o Wilson Bueno cedeu várias colunas sobre mim nos jornais e me entrevistou para um TV importante de lá. Eu cheguei ao Rio de Janeiro depois de uma grande viagem pelo Brasil, que culminou no Amapá, na cidade de Macapá. Foi uma viagem alavancada pelo Poeta Herbert Emanuel. Como você pode ver, eu sempre fui guiado pelos braços da literatura.
Eu ainda não me sentia poeta, embora escrevesse, mas o Herbert realmente me contagiou, ele tinha uma vida totalmente dedicada à literatura, à poesia em especial, e também me via como poeta, aí senti o peso da responsabilidade.

Cheguei no Rio de Janeiro depois de tentar a vida em São Paulo, foi um alívio para mim. Em plena conferência da Rio Eco 1992, dei de cara com o exército nas ruas do Rio de Janeiro. Blindados apontando para as favelas do Rio. Foi doideira. Eu era um curitibano mimado por uma cidade onde “tudo funcionava”…
Estava ensaiando uma peça com o decano da mímica no Brasil, Luis de lima, no IBAN. E fazia minhas performances no largo da carioca, Cinelândia, orla de Copacabana, Ipanema e Leblon. Eu era figura presente no calçadão de Madureira, onde dava para tirar ótimas “chapeladas”.
Um dia, estava passeando no parque do catete, quando deparei com o Paco Cac levando a Pilar, ainda bebê, para tomar sol.
Conheci o Paco na cidade de Nova Prata – RS, no segundo encontro de poesia produzido pelo Admir Bacca. O Paco me deu a ficha do Samaral, me contou que era um cara “fodastico”, que tinha um jornal. Era um agitador cultural.. O Samaral precisava pagar os custos do jornal URBANA. Se eu entrasse no racha, talvez ele me oferecesse para morar na casa dele, que tinha dois quartos, cozinha, sala, banheiro e ele morava sozinho. Ele topou a permuta e devido à forte empatia que tivemos, passei também, a trabalhar no jornal.
No Urbana eu fazia de tudo: Era oficeboy, colava cartaz de divulgação dos lançamentos, ia na tribuna da imprensa buscar a impressão e também pegava as “Letras de computador” no apartamento do João de Abreu Borges, na Tijuca.
Quando o lançamento acontecia eu virava “pinto no lixo”, encontrava a fina-flor da poesia carioca, na verdade da Cultura Carioca: Salgado Maranhão, Kazé Magalhães, Brasil Barreto, Márcia X, Maria Helena Elle (Lattini), Beatriz Chacon, Jujú Campbel Penna, Lúcia Nobre, Dirval, Brasil Barreto, Sady Bianchin, o cineasta Sylivio Bach, Elle Semog, Geraldo Periassú, Elisa Lucinda, Helena Ortiz, Rita Lacerda, Wladimir Dias Pino, Regina Pouchaim. A galera do Desmaio Público, o Carlos Manthra, Tanussi Cardoso, João Carlos Luz, Artur Gomes (você) e tantos outros dos quais não estou lembrando agora.
Quase 20 anos depois, num bate papo com o artista plástico Jorge Cerqueira, já em Cabo Frio, ele me disse “Jiddu, você bebeu do grande rio”. Acho que foi isso mesmo, eu bebi do grande rio em pleno Rio!

Artur GomesA partir de 1996, nossa convivência, se estreitou no Rio, devido a proximidade do seu endereço na Rua Soares Cabral, e o endereço de Filipe e Flora (meus filhos), na Rua das Laranjeiras. Nunca me esqueço das hilárias panelas de macarrão ao alho e óleo preparadas por você.
Bem, no início dos anos 2000 você se envereda também com produção cultural,  realizando no Centro Cultural da Carioca, o inesquecível evento 4ª Capa.
A mímica e a poesia, já não te bastava completamente, para você se embrenhar nessa nova empreitada?

JidduksEu tinha uma relação de amor e ódio com a mímica. Não sei porque, mas alguma coisa não acontecia. Eu me sentia rejeitado pela classe teatral carioca. Não tinha uma agenda legal de trabalho, percebia que as pessoas me procuravam porque queriam aprender minha técnica e depois “cagavam” pra mim. Fui ficando machucado com isso. É triste ver gente famosa, que deram os primeiros passos na arte comigo, nunca citarem meu nome quando iam no programa do Jô, por exemplo.
Como os poetas sempre me ajudaram, alguns eram professores e arranjavam shows para eu fazer em suas escolas. O próprio Sady Bianchin me levava para vender meus cartões de pintura e poesia na Estácio e na Hélio Alonso, que era onde ele dava aula. Eu fazia bilheteria nas escolas do Rio, graças aos poetas que eram amigos de diretores de escolas e me indicavam.
O Tanussi Cardoso fez um poema em minha homenagem, por volta de 1994 que me rendeu uma capilaridade incrível nos eventos alternativos do Rio. As pessoas se cotizavam para pagar meu cachê. Quando ia trabalhar no Rio Grande do Sul, sempre ganhava um cachê do Ademir Bacca, que abria, inclusive sua casa para me hospedar, além de me apresentar para a fina-flor da literatura gaúcha e dos países do Merco Sul.
Mas voltando ao Rio de Janeiro!
Um dia, encontrei a Cristina Omdemburg, que era uma produtora que me contratava para fazer shows de mímica em empresas. Ela tinha acabado de criar o Centro Cultural da Constituição e queria que eu fizesse um evento no espaço dela, ligado a teatro, mas consegui convencê-la a me aceitar como produtor de um evento literário e foi quando nasceu o POESIA NA QUARTA CAPA, um evento que durou do ano 2000 a 2004. Foi um sucesso retumbante, tínhamos sempre casa lotada e a poesia comia solta. De vez em quando eu fazia mímica e era um sucesso total. Chamei um jovem poeta chamado Rodolfo Muanis para ser apresentador e comentarista e o Adagoberto Arruda, para ser o mestre de cerimônias. A Cristina aprovou o formato do evento e foi uma grande alegria, tenho todos os folders guardados, até hoje.
O Quarta Capa era um evento de convergência, devido à nossa localização, no centro do Rio de Janeiro, tínhamos a honra de lotar nosso evento com muitos poetas vindos da zona Oeste e Zona Norte do Rio de Janeiro, o ambiente, ao lado da praça Tiradentes e nas proximidades da Rua do Lavradio, dava um tom aglutinador e histórico para a poesia. Os poetas acadêmicos costumavam ir e o Carlos Nejar um dia, aceitou recitar no Quarta Capa e foi estupendo.
Lá a gente abria para os prosadores também, havia uma garota de grande talento chamada Gisela Gold que abri para que lêssemos seus contos lá. O Grupo Saliva Voadora, Claudio Lyra e Mariana Dias nos brindavam com suas presenças, levam o público da Gávea para lá. Era um evento muito bonito. Foi histórico!

Artur GomesSei que o livro, enquanto objeto formador de cidadania, sempre foi também, uma de suas grandes paixões, e o 4ª Capa de uma certa forma, nos mostrava essa extensão do seu olhar sobre o mundo.
Nessa terceira fase da nossa convivência você já está situado em Cabo Frio, e aí começamos nossas aventuras com o audiovisual, o que te leva a se embrenhar numa outra empreitada a criação do Cine Mosquito. E num outro momento mais recente a criação do Sebo do Jidduks, e com ele agora o projeto de doação de livros.
Essas mudanças em sua vida, nascem espontaneamente, ou elas são impulsionadas também, por um desejo, de estar cada vez mais próximo das pessoas, para ter a possibilidade, de alguma forma, ajudá-las na formação enquanto seres humanos em potencial?

Jidduks –  Eu cheguei em Cabo Frio, em 2004 e comecei a ter uma vida teatral intensa na cidade. Aqui, ao contrário do Rio de Janeiro, fui bem recebido pela classe teatral local. Lembro que o José Facury, me levou na casa dos artistas locais e contratou minha primeira oficina de mímica. Me inseriu nos eventos públicos da cidade para que as pessoas me conhecessem.
Mas Cabo Frio não é uma cidade preparada para o sustento de um artista, a vida do artista aqui é complexa. Para você ter um trabalho precisa estar alinhado com a política local, que costuma ser fisiológica, num jogo de cartas marcadas. Eu nunca me adaptei a isso, mas, como sempre fui respeitado e amado aqui, consegui ter pequenos ganhos dando oficinas de mímica, teatro e dramaturgia.
Em 2013 o José Facury e Yuri Vasconcelos convidaram o Italo Luiz Moreira para ser professor do Curso de Teatro do teatro municipal. Italo queria mexer na estrutura e pediu ao Facury que me contratasse.
Eu tinha acabado de fazer um curso importante no CECIP e a APS, da Holanda. O CECIP, pra quem não sabe, é uma ONG fundada pelo educador Paulo Freire, o Cineasta Eduardo Coutinho e o cartunista Claudius  Ceccon. O curso chamava-se Facilitador de Mudanças Educacionais.
Com o aval do Italo, Facury e Yuri, comecei a aplicar a metodologia que aprendi com uma das maiores educadoras de São Paulo na atualidade, a Sra. Madza Ednir. E foi então que criei o OFICENA – Curso Livre de Teatro que, nada mais era, que um nome fantasia criado para o Curso que já havia no Teatro Municipal da cidade desde a década de 1990.
As crises sucessivas nos governos de Cabo Frio, fez com que eu perdesse meu salário como professor do OFICENA e passei então a trabalhar como voluntário de 2014 a 2018 até quando fui dispensado pela gestão do atual prefeito da cidade, Dr. Adriano.
Em Cabo Frio eu acabei ativando outros talentos e projetos que tinha engavetado, um deles era o de ter um cine clube e um pólo de cinema independente. Em 2007 eu criei o projeto Cinema Possível, junto com você e em 2008 criei o Cine Mosquito, um cine clube que completou 10 anos em 2018, mas só conseguimos fazer a entrega do troféu MOSQUITÃO em 2019.
Sem dinheiro para sobreviver, uma separação do meu primeiro casamento, praticamente sem eira e nem beira, resolvi vender a minha biblioteca para tentar algum dinheiro, mas durante este processo, acabei descobrindo que tinha vocação para vender livros.
Os livros salvaram minha infância e agora que estou a caminho da velhice eles voltaram a me salvar novamente. Com o Sebo do Jidduks eu aprendi rápido a vender livros e fui conseguindo dinheiro para contas básicas. Mas vender é um ofício, uma das profissões mais antigas do mundo. Hoje passei a vender produtos digitais, vendo cursos online, e-books e páginas na internet.
Também cuido de canais no youtube, para pessoas que estejam começando, muitas das vezes faço uma troca de serviço para meus clientes que já compram livros do meu sebo, oferecendo a eles, serviços complementares de internet e, aos poucos, estou me levantando.
Uma semana antes da Pandemia do Covid19  migrar para o Brasil eu tinha criado um projeto de doação assistida de livros. O projeto caiu nas graças da escritora Roseana Murray, que além de ser referência em poesia, vendeu mais de 2 milhões de cópias de seus livros. É, hoje, uma das escritoras mais lidas no país. Roseana tornou-se Madrinha do meu projeto, além de ser uma das principais doadoras. Hoje tenho potencial para chegar a 100 doadores, mas devido à pandemia, estamos crescendo de forma lenta, porém, sustentável.
Pretendo criar o maior projeto independente de doação de livros do interior do estado do Rio de Janeiro. Estamos a caminho disso. Nossos doadores são de diversos estados brasileiros, mas a região está cada vez mais consciente e participativa.
Pessoas como Luciana Branco, Lélia Queiroz, Silvana Lima, Italo Luiz Moreira e Joarez Lopes, só pra citar Cabo Frio. Mas temos doadores empresariais também, como o Restaurante Babel, de Visconde de Mauá e a Fundação Planeta D’O, uma organização franco-brasileira. Tivemos doações inclusive de Juan Árias, repórter do jornal El Pais e mais uma lista imensa de doadores pessoas físicas, além de poetas como Roseana Murray, Artur Gomes (você), Luis Gustavo Pires e Claudia Gonzalez, do RS.
Nosso projeto chama-se “Abrace um Leitor” e quem quiser doar um kit de livros basta entrar neste endereço e ver como a coisa funciona: https://jidduksonline.com.br/abrace-um-leitor/

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