Artur Gomes – Como se processa o seu estado de poesia?
Arlete Sendra – Artur, sou uma enamorada da vida. Vivo com ela uma relação metafísica. Ela me impôs e me impõe viver uma travessia épica e para chegar a Itaca, faço a ela permanentes declaração de amor.
Artur Gomes – Seu poema preferido?
Arlete Sendra – Me dê um momento. Vou ali na adolescência, segunda metade dos anos 40, quando conheci o “poeta das cigarras “, Olegário Mariano:
Água corrente
Água corrente, água corrente
O teu destino é igual ao destino da gente”
Para onde vais? Tu mesma ignorar tua sorte
Vais para a vida, para o sonho ou para a morte?
…………………………
Li e leio poemas lindos.
Ponho-me a escrever teu nome
Com letras de macarrão
……………………….
Desgraçadamente falta uma letra
Uma letra somente
para acabar teu nome
— Está sonhando? Olhe que a sopa esfria
Eu estava sonhando…
E há em todas as consciências este cartaz amarelo:
Neste país é proibido sonhar.
Drummond.
Artur Gomes – Qual o seu poeta de cabeceira?
Arlete Sendra – Difícil responder com o singular. Cito : Carlos Drummond de Andrade e Rainer Maria Rilke.
Artur Gomes – Em seu instante de criação existe alguma pedra de toque, algo que o impulsione para escrever?
Arlete Sendra – Escrevo em estado de nostalgia, essa dor do “nostos” , presente em dias que noites parecem ser. E dialogamos com as incertezas da vida.
Artur Gomes – Livro que considera definitivo em sua obra?
Arlete Sendra – Obra minha definitiva ainda não escrevi. Acho, Artur que obra definitiva é a nossa própria vida.
Artur Gomes – Além da poesia em verso, já exercitou ou exercita outra forma de linguagem com poesia?
Arlete Sendra – Exercito o poema em prosa que é minha forma preferida de escrever. Escrevo fragmentos, que são como todo fragmento, parte de um todo. Mas raramente público.
Timidez? Medo da crítica? Só Freud para explicar.
Artur Gomes – Qual poema escreveu quando teve uma pedra no meio do caminho?
Arlete Sendra – Não sei se é poema. Lembro-me que um dia nem a esperança me fez companhia. Vivi o vazio. E aquele vazio queria ser preenchido com dor. Deixei a página em branco.
Artur Gomes – Revisitando Quintana: você acha que depois dessa crise virótica pandêmica, quem passará e quem passarinho?
Arlete Sendra – Imprevisível o “Eu passarinho” de Quintana. Seremos novos humanos? Inauguraremos uma pandemia de amor?
Artur Gomes – Escrevendo sobre o livro Pátria A(r)mada, o poeta e jornalista Ademir Assunção, afirma que cada poeta tem a sua tribo, de onde ele traz as suas referências. Você de onde vem, qual é a sua tribo?
Arlete Sendra – Venho de terras taquarais. De alambique que o capitalismo quebrou . Sou da tribo das Mulheres guerreiras, tribo que não aceita tempos mortos e acredita que ” enquanto houver vida/ não haverá ponto final” . Versos finais de poema autobiográfico que escrevi quando fiz 65 anos: Sem contestação.
Artur Gomes – Nos dias atuais o que é ser um poeta, militante de poesia?
Arlete Sendra – Gosto da expressão “poeta militante”. Eu diria que é aquele que rasga a palavra para mostrar como sangra o que ela revela. Mostra. Escancara.
Artur Gomes – Que pergunta não fiz que você gostaria de responder?
Arlete Sendra – Você poderia me perguntar: quando você fez a travessia para a poesia social de denúncia?
Resposta – Esta travessia eu a fiz lendo você, Artur. Deixei de apenas “ouvir estrelas” E comecei a escutar o grito da rua em tempos da Escola Técnica Federal de Campos.
Obrigada.