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Fábio Pessanha

Nos contactamos,  a pouco, aqui mesmo pelo face. Eu que venho tendo manias de cogumelos azuis, me chamou atenção o título da sua coluna na Revista Vício Velho: palavra alucinógeno. Fui conferir, e lá encontrei uma série de colocações, sobre escrita poética. que vieram de encontro a uma série de inquietações que tenho a respeito. Outra coisa que me chama atenção na escrita do Fábio Pessanha é a busca de novos conceitos, novas palavras, carnavalhando “palavralmente” com ele mesmo diz a bundassentalização de leituras”.

 

Fábio Pessanha é poeta, doutor em Teoria Literária e mestre em Poética, ambos pela UFRJ. Publicou ensaios em periódicos sobre suas pesquisas, a respeito do sentido poético das palavras, partindo principalmente das obras de Manoel de Barros, Paulo Leminski e Virgílio de Lemos. É autor do livro A hermenêutica do mar – Um estudo sobre a poética de Virgílio de Lemos (Tempo Brasileiro, 2013) e coorganizador do livro Poética e Diálogo: Caminhos de Pensamento (Tempo Brasileiro, 2011). Assina a coluna “palavra : alucinógeno” na Revista Vício Velho. Tem poemas publicados nas revistas eletrônicas Diversos Afins, Escamandro, Ruído Manifesto, Sanduíches de realidade, Literatura & Fechadura, Gueto, Escrita Droide, Gazeta de Poesia Inédita, Mallarmargens, Contempo e na própria Vício Velho.

Artur Gomes – Como se processa o seu estado de poesia?

Fábio Pessanha – esse tal estado de poesia é algo que me acomete desde quando não se sabe onde. tento estar em transe para ouvir o que me chega ao corpo. mas nem sempre é do jeito que quero. nunca é, na verdade. quando escuto uma palavra primordial que poderá desencadear imagens num poema, ou uma frase que me cause estranheza, recebo esses enigmas palavrais como posso.  aceito as imagens que aparecem. guardo-as. esses acontecimentos, embora pareçam rasantes místicos, são um estado constante de escuta. acredito que um poema, mesmo aquele que aparentemente chega pronto, precisa ser [re]trabalhado.  se acredito e defendo que a palavra é um corpo vivo-pulsante, minha postura é a da ressonância, quando tentamos ser uma diferença comum, um corpo uno em tensão. é um processo trabalhoso, ao qual retorno constantemente até considerar que um poema/ensaio/imagem esteja(m) pronto(s), seja lá o que signifique estar pronto.

Artur Gomes – Seu poema preferido?

Fábio Pessanha – não sei dizer… mas como sou palavralmente orgíaco, posso arriscar dizer que é aquele que me chama para um canto, a fim de travessias e suores.

Artur Gomes – Qual o seu poeta de cabeceira?

Fábio Pessanha – embora seja também uma resposta difícil de se dar, mas até que consigo arriscar uma hipótese. o poeta que me trouxe a esse mundo da poesia de maneira radical foi o Manoel de Barros. sempre que volto a ele é como se fosse a primeira vez. não há medida que meça o impacto de seus escritos em mim. sem dúvida, uma grande referência em minha vida poemática e transpoemática também.

Artur Gomes – Em seu instante de criação existe alguma pedra de toque, algo que o impulsione para escrever?

Fábio Pessanha – lá em cima falei que sou palavralmente orgíaco. então, volto a essa ideia. muita coisa fala no meu corpo quando entro em estado de escrita, e em muitas das vezes é difícil me concentrar. então, procuro ler outros poetas, isso costuma funcionar. gosto de pensar a escrita como maneira de diálogo. acredito que não há um texto feito exclusivamente por uma só pessoa porque uma só pessoa é em si a reunião de seus [quase] infinitos outros. há muita gente aqui dentro e essa multidão procura as multidões de outras leituras. essas leituras também podem ser musicais, quando me ponho a tocar violão, andando pelo meu apartamento, sem me desconectar do texto que estou escrevendo. não sei… talvez seja uma maneira de oxigenar minha escrita com outras referências ou experiências. e ultimamente, tenho até feito um ritual: tomo um café. um único café. sempre antes de escrever. hábito que adquiri durante a composição da minha tese de doutorado. agora isso faz parte de mim, do que escrevo. é meio bobo. mas é só isso mesmo.

Artur Gomes – Livro que considera definitivo em sua obra?

Fábio Pessanha – tenho apenas um livro publicado, e nem é de poesia. tem a ver, mas não é. intitula-se A hermenêutica do mar Um estudo sobre a poética de Virgílio de Lemos (Tempo Brasileiro, 2013). este livro foi fruto da minha dissertação de mestrado em Poética (UFRJ), quando me debrucei sobre a obra desse importante poeta moçambicano. digo que foi fruto porque da dissertação até o livro, muita coisa mudou. tenho poemas publicados em diversas revistas, assim como um livro de poesia já pronto. mas estou esperando passar esse período pandêmico para dar início ao processo de publicação.

Artur Gomes – Além da poesia em verso, já exercitou ou exercita outra forma de linguagem com poesia?

Fábio Pessanha – tudo que escrevo é desde o poético. a poesia é para mim uma habitação, um modo de estar no mundo. então, seja um ensaio, um artigo de teor mais científico, sempre entram umas rupturas, umas imagens que desfocam a seriedade do trabalho formal. é uma questão de jogo de cintura. cheguei a flertar com teatro e música durante meu doutorado, e antes também. é que para criar outros modos de pesquisa que não apenas a bundassentalização de leituras, quis deixar fluir outras possibilidades de diálogos, de experimentação corporal. por exemplo, em julho de 2018, apresentei na Sala Carlos Couto, do Teatro Municipal de Niterói, um tipo de peça meio sarau, portanto, uma “peçarau” (!!) chamada Diálogo inventado para uso dos pássaros, que foi a interlocução entre meus poemas e os do Manoel de Barros, e todas as músicas que compuseram essa trama foram autorais. tal apresentação integrou o projeto chamado “Roda de Novos Poetas”, organizado pela produtora cultural Teca Nicolau, e teve a atriz Tainá Pimenta interpretando os poemas do Manoel, além de também assinar a direção do espetáculo. isso porque o tema da minha tese foi a palavra poética, a partir da tensão entre as obras de Manoel de Barros e Paulo Leminski. a apresentação foi uma lindeza! e em dezembro de 2018  intitulei-me doutor em Teoria Literária (UFRJ), com a tese Manoel de Barros e Paulo Leminski: A palavra como experiência do poético, que espero publicar assim que possível.

Artur Gomes – Qual poema escreveu quando teve uma pedra no meio do caminho?

Fábio Pessanha – sinceramente, não sei. tenho lá umas desconfianças, mas não sou do tipo que escreve quando fica mal. se eu estiver na fossa, por exemplo, ficarei lá, tentando sair dela. mas dificilmente essa experiência se tornará matéria de poesia em mim. quase tudo que escrevo nesses períodos vai para o lixo.

Artur Gomes – Revisitando Quintana: você acha que depois dessa crise virótica pandêmica, quem passará e quem passarinho?

Fábio Pessanha – nesse caso, prefiro ir pela prosa poético-filosófica de Clarice Lispector, e pensar na inter-relação entre o ovo e a galinha. penso que nessa história somos totalmente ovo. muito se fala em nos tornarmos pessoas melhores-pós-covid, mas não creio tanto nisso, caso se considere que seja um resultado imediato. por sermos ovo, quero dizer que nos colocamos para nos chocar, que a necessidade do isolamento pode ter nos deixado mais introspectivos e que algo pode ter sido plantado. no entanto, minha tendência é crer que mudanças desse porte levam tempo, ou seja, que toquem em nossa constituição como humanos atentos ao que nos cerca. depois de finalizada a pandemia, se tudo der certo, podemos ficar propensos a possíveis eclosões. nessa metáfora, seremos ao mesmo tempo a iminência da ruptura da casca e o futuro da galinha, com atenção para a necessidade do chocar. o que me faz lembrar também de Guimarães Rosa, quando numa clássica entrevista dada a Günter Lorenz, no Congresso de Escritores Latino-Americanos, em 1965, ele diz: “Chocamos tudo o que falamos ou fazemos antes de falar ou fazer”. portanto, é uma questão de demora,  de nos demorarmos em nós mesmos, em nossa relação com o outro, seja o outro de fora – as outras pessoas – ou o outro que nos compõe em nossas outridades.

Artur Gomes – Escrevendo sobre o livro Pátria A(r)mada, o poeta e jornalista Ademir Assunção, afirma que cada poeta tem a sua tribo, de onde ele traz as suas referências. Você de onde vem, qual é a sua tribo?

Fábio Pessanha – engraçado… fico relendo sua pergunta e só consigo pensar na potência do silêncio. trago muitos silêncios em mim, e acho que estes são meus maiores lugares. há momentos em que me sinto muito acadêmico. afinal, foi dentro da universidade em que mais me encontrei. mas, ao mesmo tempo, quanto mais eu me envolvia com poesia para além dos muros da academia, mas desta eu me distanciava. gosto de pensar num caminho do meio, morar na trincheira entre o acadêmico e o sei-lá-o-que-além-da-academia. por muito tempo, pensava em não dar aulas e só me envolver com pesquisa. mas isso começou a mudar quando comecei a dar cursos de extensão na Faculdade de Letras da UFRJ, já no final da minha graduação, sempre sob coordenação do meu orientador, claro. contudo, foi no meio do meu mestrado, também na UFRJ, lá por 2011, que comecei a estudar a poética de Manoel de Barros com mais atenção, e daí resolvi me jogar nela. então, a convite de uma amiga, propusemos os cursos de extensão que foram fundamentais para o que sou hoje. sem dúvida alguma, foi uma experiência radical e me fez perceber o quanto gosto de dar aulas/oficinas. então, dentro desses meus silêncios, acho que posso dizer que carrego muito do acadêmico, uma tribo com a qual tenho brigado muito internamente nos últimos tempos.

Artur Gomes – Nos dias atuais o que é ser um poeta, militante de poesia?

Fábio Pessanha – não sei bem o que é ser poeta. há caminhos por onde posso ir, tratar de maneira mais filosófica, pensar nos gregos, na poesia de forma ampla, em seu sentido mais originariamente verbal. não sei… é como olhar de dentro do lugar onde estou, se bem que não poderia fazer diferente, já que não seria possível dizer de fora do meu próprio lugar. o que posso arriscar como resposta é que o poeta talvez seja alguém que tenha nas palavras sua força, que seja corpo com elas. tanto no âmbito escrito, quanto no falado. ser com a palavra a impossibilidade que temos como destino improvável. daí, em maior ou menor grau, milita-se pela poesia no sentido da entrega, do vigor de uma força um tanto indescritível que, tal como o silêncio, se extingue em sua enunciação. Leminski dizia que poeta não é só quem produz poemas, mas quem se deixa envolver pelo poético. então, nessa dimensão, talvez não seja um exagero dizer que um militante de poesia seja aquele que habita a própria existência, que olha pra si, que transborda seu corpo palavral no outro e que se assume como salto em seu abismo existencial.

Artur Gomes – Que pergunta não fiz que você gostaria de responder?

Fábio Pessanha – de cara, não faço a menor ideia… rsrs…  mas… hum… se me perguntasse o que ando fazendo agora, convidaria a todos para conhecer a coluna “palavra : alucinógeno”, que assino na Revista Vício Velho. depois de publicar uns poemas nessa revista, a Carolina Hubert, editora, me propôs um espaço onde eu tratasse de poesia. como estava no meio da escrita da minha tese de doutorado, vi nisso uma boa possibilidade de desanuviar minhas ideias, podendo escrever de maneira mais livre, experimental até… já que a tese me exigia bastante disciplina (ainda que o resultado da minha pesquisa tenha sido muito mais um trabalho poético do que acadêmico, conforme ouvi da banca durante minha defesa). aos poucos, a coluna foi chegando ao formato que tem hoje, como se os textos fossem pequenos ensaios, provocados por poemas. então, o que escrevo lá não são exatamente resenhas, embora encontremos certas características resenhísticas. prefiro pensar nesse espaço como lugar de incorporações verbais, onde as palavras me tiram para dançar, e eu simplesmente vou.
feito o convite, se alguém quiser passar lá para conhecer um pouco das minhas alucinações poemáticas, é só chegar aqui:

palavra : alucinógeno

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