Artur Gomes – Como se processa o seu estado de poesia?
Floriano Martins – | Eu apenas escrevo. Sou ritualístico, devoto da criação. Ela não se ausenta de mim um só instante. O que se dá é que não estou sempre a escrever poema. Há infinitos modos de criar.
Artur Gomes – Seu poema preferido? Próprio. Ou de outro poeta de sua admiração.
Floriano Martins – Sinceramente, não tenho. Inclusive padeço de uma falta de memória em relação aos versos, o que sempre me encabula. Além disto, há sempre momentos em um ou outro poema, meu ou de outro poeta, que por vezes falam mais alto do que o poema na íntegra, certas imagens que marcam um dado instante da vida, e naturalmente que sendo a vida tão perene, tais versos, imagens ou momentos estão a mudar de lugar a cada hora.
Artur Gomes – Qual o seu poeta de cabeceira?
Floriano MArtins – | Tampouco tenho. Se for pensar naqueles autores que estão presentes a diário em minha vida, eu teria que pensar primeiramente em alguns livros e discos, mais do que propriamente no poeta na completude de sua obra. Os livros de ensaios do Milan Kundera, os concertos de Keith Jarrett, para dar apenas dois exemplos, alimentam mais o meu dia do que propriamente algum livro de poemas. Para não parecer antipático ou mesmo esnobe, menciono aqui um livro que talvez seja aquele que mais reli e sempre volto a ele como se fosse um quebra-cabeça gigantesco em que as peças estão sempre a mudar de lugar. Refiro-me à edição completa de Bronwyn, do espanhol Juan-Eduardo Cirlot, que foi organizada por sua filha, Victoria Cirlot.
Artur Gomes – Em seu instante de criação existe alguma pedra-de-toque, algo que o impulsione para escrever?
Floriano Martins – Respirar e seguir respirando. Criar é como viver. Este certamente é seu principal motivo, o que transcende a própria causa da escrita. Eu me sinto cheio de vida, de modo que não paro de criar um só instante.
Artur Gomes – Livro que considera definitivo em sua obra?
Floriano Martins- Há certa lógica ou obviedade em dizer que será sempre o último escrito, isto se considerar que o poeta conseguiu superar a si mesmo a cada livro. Este ano eu publiquei Antes que a árvore se feche, que é uma espécie de inventário, onde desmonto todos os livros anteriores, além dos inúmeros inéditos, e trato de lhes dar uma nova concepção, nova estrutura, ao ponto de que pode ser plenamente entendido como um livro novo. É meu último livro de poemas, e digo último aqui no sentido de que com ele encerro a minha obra no que diz respeito à criação de poemas.
Artur Gomes – Além da poesia em verso já exercitou ou exercita outra forma de linguagem com poesia?
Floriano Martins – | Sim. Já escrevi e publiquei uma novela e uma série de cinco peças de teatro, estas a quatro mãos com o Zuca Sardan – também juntos escrevemos uma fábula. Também já escrevi e publiquei uma peça de teatro, peça-colagem, reunindo textos meus e de William Burroughs, além de uma biografia psicografada de William Blake e alguns inéditos roteiros de gibis. Paralelo à escritura poética sempre esteve presente em minha vida a produção ensaística e jornalística. Agora que dei por concluídas as etapas referentes ao poema e ao teatro, vamos ver o que virá pela frente.
Artur Gomes – Qual poema escreveu quando teve uma pedra no meio do caminho?
Floriano Martins – Os poemas não precisam disto para se escreverem. Às vezes o próprio poeta pode ser a pedra no meio do caminho do poema.
Artur Gomes – Revisitando Quintana: você acha que depois dessa crise virótica pandêmica, quem passará e quem passarinho?
Floriano Martins –Imaginei agora mesmo o sorriso maroto do Quintana ao ler esta pergunta. E juntos, ele e eu, procuraríamos um sentido para ela.
Artur Gomes – Escrevendo sobre o livro Pátria A(r)mada, o poeta e jornalista Ademir Assunção, afirma que cada poeta tem a sua tribo, de onde ele traz as suas referências. Você de onde vem, qual é a sua tribo?
Floriano Martins – O termo me desagrada por completo. Evidente que podemos falar em afinidades, aquela irmandade que faz com que pessoas tão queridas como Alfonso Peña e AmirahGazel (Costa Rica), José Ángel Leyva, Susana Wald e Eduardo Mosches (México), Armando Romero (Colômbia), Maria Estela Guedes (Portugal), Fabrício Brandão, Márcio Simões, R. Leontino Filho e Demetrios Galvão (Brasil), Enrique de Santiago e Mário Meléndez (Chile)…
Refiro-me à comunhão de espíritos que fazemos bailar em torno de nossos projetos editorias, as revistas e livros que seguimos editando. Tribo é termo refém de demarcações territoriais, o que é o oposto do que realizamos em comum os amigos aqui mencionados e muitos outros. Nosso altruísmo falará sempre mais alto.
Artur Gomes – Nos dias atuais o que é ser um poeta, militante de poesia?
Floriano Martins- Não creio que aspectos como tempo e espaço alterem o espírito da criação. Não importa em que época estamos ou em que condições sociais, linguísticas etc. O poeta será sempre um demiurgo, aquele que cria mundos. O modo como ergue tais mundos, certamente, pode ir além do objeto de sua criação, ou seja, ele pode também criar condições para que a arte encontre seu lugar no mundo e o homem encontre seu lugar na arte. Novamente um termo que soa belicoso, militante, e nem de longe creio que se trate disto.
Artur Gomes – Que pergunta não fiz que você gostaria de responder?
Floriano Mrtins – Nunca penso nas coisas como elas poderiam ter sido. As perguntas que me fizeste aqui estão e respondi a todas. E certamente agradeço o teu imenso carinho. Abraxas
[Maio de 2020]