Artur Gomes – Como se processa o seu estado de poesia?
Herbert Emanuel – Meu processo de criação poética é altamente transpirado. Meus poemas quando os crio passam necessariamente por uma quarentena forçada (como esta que estamos passando agora). Se resistirem sãos, se não sucumbirem às repetidas leituras, eles passam a ser poemas possíveis de serem publicados. Sempre tive uma preocupação ético-estética com a linguagem, que aprendi com um dos meus mestres queridos, o poeta Mário Faustino. Não desejo, de modo algum, inflacionar o mercado da má-poesia. Todo poeta que se preze tem de ter essa responsa.
Artur Gomes – Seu poema preferido?
Herbert Emanuel – Meu? ou de outros poetas? Se for meu, não tenho um preferido. Tenho um que gosto no momento, pois define um pouco o que penso da poesia e do poeta, que está no meu livro ainda inédito “Pele de Papel”. Cito-o aqui:
a pele que habito
despe-se das outras que já tive
ofídico ofício
trocar de pele
carece a todo poeta
que se preze
senão perece
cobra sobre a própria cova
De outro poeta, o “Pulso das Palavras”, de Maiakóvski, é um dos meus preferidos. E pelas mesmas razões acima. Cito-o também aqui:
Sei o pulso das palavras a sirene das palavras
Não as que se aplaudem do alto dos teatros
Mas as que arrancam caixões da treva
e os põem a caminhar quadrúpedes de cedro
Às vezes as relegam inauditas inéditas
Mas a palavra galopa com a cilha tensa
ressoa os séculos e os trens rastejam
para lamber as mãos calosas da poesia
Sei o pulso das palavras parecem fumaça
Pétalas caídas sob o calcanhar da dança
Mas o homem com lábios alma carcaça
Artur Gomes – Qual o seu poeta de cabeceira?
Herbert Emanuel – Não tenho um único. Minha cabeceira é ampla, posso citar alguns: Mário Faustino, Fernando Pessoa, Orides Fontela, Stela do Patricínio, Max Martins, Paul Celan, Mallarmé, Maiakósvisk,entre outros.
Artur Gomes – Em seu instante de criação existe alguma pedra de toque, algo que o impulsione para escrever?
Herbert Emanuel – Minha pedra de toque é sempre o espanto, a perplexidade provocada interior a mim mesmo ou exteriormente: um acontecimento, um fato político, social, uma paisagem, uma flor, um pássaro ou uma pedra que surjam inesperadamente no meu caminho, um aroma, um sonho repentino, um amor que começa ou acaba…. Poemas são espantografias da linguagem.
Artur Gomes – Livro que considera definitivo em sua obra?
Herbert Emanuel – Não tenho um livro que considero definitivo. Mas tenho muito apreço pelo meu primeiro livro “Nada ou Quase Uma Arte”, com apresentação, inclusive, do poeta gaúcho Carlos Nejar. Acho este livro muito bem estruturado, firme no seu propósito de habitar poeticamente a linguagem, apesar de ter sido o primeiro. Há um outro livro que gosto muito, foi feito em parceria o querido amigo poeta, mímico, artista visual curitibano Jiddu Saldanha, um livro de haicais intitulado “Do Crepúsculo ao Outro Dia”. É um livro, como disse o poeta Carlos Nejar, que escreveu o prefácio, que dança.
Artur Gomes – Além da poesia em verso, já exercitou ou exercita outra forma de linguagem com poesia?
Herbert Emanuel – Sim. Tenho me dedicado aos poemas-canções e à poesia sonora. Em relação à poesia sonora, resolvi dedicar-me há pouco tempo. Decidi, depois dos 50 (risos) tornar-me um poeta performático, amplificando, sonorizando o poema, usando, além da própria voz, as chamadas plataformas sonoras secundárias: samples, processadores vocais, sintetizadores, etc.. Tenho me divertido muito fazendo isto, principalmente com o Tatamirô Grupo de Poesia, do qual faço parte, e com a minha parceira de arte e vida Adriana Abreu, que é declamadora, atriz e diretora do Grupo.
Ano passado, circulamos com o poema sonoro “PALAVR(ARMA)DURA” por 11 estados do Brasil, do norte ao sul, por dois projetos do Sesc – o Amazônia das Artes e o Arte da Palavra. Foi uma experiência muita rica, belos e bons encontros de poesia sonora.
Artur Gomes – Qual poema escreveu quando teve uma pedra no meio do caminho?
Herbert Emanuel -Não escrevi um poema, mas vários. Meu livro RES foi escrito depois de um longo tempo assombrado pela pedra da impossibilidade de escrever novamente alguma coisa que se aproveitasse, que valesse a pena ser escrito. O receio de que a fonte tivesse secado para sempre. Aí escrevi RES e ele me livrou da pedra naquele momento.
Artur Gomes – Revisitando Quintana: você acha que depois dessa crise virótica pandêmica, quem passará e quem passarinho?
Herbert Emanuel – Se não mudarmos radicalmente nossa maneira de viver neste mundo, se não reinventarmos outros modos de existência – não patriarcal- falocrático-especicista- eurocêntrico-neocolonial-necroliberal-capitalista -, todos passaremos e não haverá nem passarinhos pra cantar a história humana e não-humana deste belo planeta chamado Terra.
Artur Gomes – Escrevendo sobre o livro Pátria A(r)mada, o poeta e jornalista Ademir Assunção, afirma que cada poeta tem a sua tribo, de onde ele traz as suas referências. Você de onde vem, qual é a sua tribo?
Herbert Emanuel – Sou um mundano, do mundo, pertenço a tribos nômades, dos confins do Amapá, da Amazônia aos topos da África. Mas um poema meu talvez responda melhor à tua pergunta:
de algum lugar
tudo a partir de um apelo vermelho do corpo
e a necessidade de passar o tempo fora dos trilhos
ouvir mais e falar menos
é o que os meus olhos me pedem agora
uma canção anterior a tudo convém
águas calmas, mas também flash
de ruídos em minhas pálpebras
o branco silêncio das planícies
mas também as densas entranhas
desta floresta de vozes
triunfos da alegria, mas também
palavra derrotada, línguas em ruínas
o que digo vem da terra
o que repito vem do mar
uma voz anterior à palavra me saúda
eu sou quem sou, animal, nu
com ossos, sons e membranas
meu corpo imerso em argila
é fogo, é água vermelha
é barro deste rio que abandono
mas que insiste em permanecer comigo
à deriva, dentro e acima de mim,
até onde vou
até onde sou
Artur Gomes – Nos dias atuais o que é ser um poeta, militante de poesia?
Herbert Emanuel – Penso que outro poema meu também responda à tua pergunta:
mira bem
no centro
e dispara
a bala
da palavra
o som
que reverbera
dentro
sangue espesso
na página
Vivemos tempos sombrios. A poesia tem de se tornar uma voz, um clamor para o incêndio e a insurreição, com alegria e cólera ao mesmo tempo.