Artur Gomes – Como se processa o seu estado de poesia?
Linaldo Guedes –Meu estado de poesia vem muito das minhas leituras e muito das minhas vivências nas ruas do mundo, da vida. E uma coisa à serviço da outra. Ou seja: a linguagem à serviço da rua; a rua à serviço da poesia. Não concebo literatura sem essa simbiose. Poesia com esmero na linguagem, mas sem a voz das ruas, fica hermética, artificial e chata. E poesia com a voz da rua, mas com desleixo na linguagem é apenas um ajuntamento de palavras.
Artur Gomes – Seu poema preferido? Próprio. Ou de outro poeta de sua admiração.
Linaldo Guedes – Poema próprio tenho vários. Mas vou citar um que está em meu primeiro livro, o poema
“Incômodo”:
“ser o anjo torto
da família
não tira meu sono
incomoda apenas
não ter asas para voar”
Poema dos outros, também tenho vários. Citaria dois, no entanto: “Monólogo de uma sombra”, de Augusto dos Anjos; e “Tabacaria”, de Pessoa.
Artur Gomes – Qual o seu poeta de cabeceira?
Linaldo Guedes – Tenho vários, mas citaria, pela ordem, Carlos Drummond de Andrade, Fernando Pessoa e João Cabral de Melo Neto. Mas o poeta que mais pesquiso é Augusto dos Anjos.
Artur Gomes – Em seu instante de criação existe alguma pedra de toque, algo que o impulsione para escrever?
Linaldo Guedes – Sim, mas não necessariamente, porque faço muitos poemas sob encomenda, embora mesmo nesses o poema só saia após um insight que surge aparentemente do nada. De qualquer forma, admito que tenho alguns momentos de epifania em que o poema já nasce praticamente pronto, até em termos de linguagem. Citaria vários, entre eles “Carrossel de silêncio”, que fiz para meu filho autista. Em outros, tenho que sofrer um bocado para concluí-lo. Alguns passam anos e não consigo terminá-los.
Artur Gomes – Livro que considera definitivo em sua obra?
Linaldo Guedes – Minha obra tem uma sequência planejada. Após lançar meu primeiro livro – Os zumbis também escutam blues – já idealizei os demais. Por isso, todos são importantes, porque um complementa o outro. Mas o que considero mais completo em termos de conteúdo e linguagem é “Metáforas para um duelo no sertão”, o terceiro de poemas.
Artur Gomes – Além da poesia em verso já exercitou ou exercita outra forma de linguagem com poesia?
Linaldo Guedes – Sim. Com mais três amigos, tive um grupo de poesias intitulado Poecodebar, em João Pessoa, no início dos anos 1990. Na época, a gente se apresentava em bares, teatros e circuitos alternativos, recitando e encenando nossos poemas.
Também já tive um projeto chamado “LiterArte Musical”, onde organizava saraus em homenagens a poetas vivos e mortos. Além disso, como jornalista já editei suplementos literários e publiquei muitos autores contemporâneos. Por fim, enquanto editor de livros, tenho, junto com meu sócio, o poeta Lenilson Oliveira, publicado diversas obras poéticas.
Artur Gomes – Qual poema escreveu quando teve uma pedra no meio do caminho?
Linaldo Guedes – Ah, teve vários. Esse “Incômodo”, que inclusive dialoga com o gauche de Drummond, é um deles. No meu primeiro livro tem muitos poemas escritos quando encontrei a tal pedra. Foram poemas escritos no auge dos vinte e poucos anos, época de rebeldia, em que a gente está sempre inconformado e querendo mudar o mundo. Depois descobrimos que o mundo não muda, mas a gente sim.
Artur Gomes – Revisitando Quintana: você acha que depois dessa crise virótica pandêmica, quem passará e quem passarinho?
Linaldo Guedes – Espero, mas não acredito nisso, que os políticos que não se preocupam com o povo que os elegeram passem. Quem vai continuar passarinho somos nós, poetas, artistas. E as crianças.
Artur Gomes – Escrevendo sobre o livro Pátria A(r)mada, o poeta e jornalista Ademir Assunção, afirma que cada poeta tem a sua tribo, de onde ele traz as suas referências. Você de onde vem, qual é a sua tribo?
Linaldo Guedes – Vim de várias tribos. Comecei pela filosofia de Pessoa; passei pelo cotidiano drummondiano, pela aspereza do sertão de Cabral, a irreverência dos poetas marginais e a pegada rock’n’roll dos beatniks. Mas uma tribo sempre presente em minha poética que nem eu mesmo consigo dizer de onde saiu é a dos poemas espiritualistas e/ou referenciando religiões mesmo quando faço poemas eróticos.
Artur Gomes – Nos dias atuais o que é ser um poeta, militante de poesia?
Linaldo Guedes – Penso que escrever já é uma militância poética. Escrever, publicar e ser lido é o ápice dessa militância. Creio que a melhor militância do poeta esteja em seus versos.
Artur Gomes – Que pergunta não fiz que você gostaria de responder?
Linaldo Guedes – Nenhuma em específico. Agradeço e oportunidade de dialogar consigo sobre poesia, minha grande paixão. Tanto que cheguei a retomar uma relação para poder conseguir concluir um livro.