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Ele é o meu Macunaíma pós moderno, está em todas, já nos encontramos e dividimos palco em Niterói, Brasília (Festival Tanse Poéticas),  Bento Gonçalves (Congresso Brasileiro de Poesia),  no Sarau PÓLEM  Rio de Janeiro em  La Taberna de Laura. Dele tenho no meu repertório de performance o poema  Sexo Em Moscou, uma ode libertina e libertária. Na verdade não sei o ano que nos encontramos pela primeira vez, mas desde então nunca mais nos perdemos de vista.

MANO MELO fez-se ator, poeta e pianista num rendezvous de palha. Interpreta sua arte por todo o Brasil. Publicou onze livros de poesia e dois romances. Ator, trabalhou em filmes, peças de teatro, programas.  Desde 2013,  apresentador do Mano a Mano Com A Poesia, espetáculo de música, poesia e humor, que voltará com toda força depois da pandemia.

Artur Gomes – Como se processa o seu estado de poesia?

Mano Melo – Artur, funciona assim num modo de sentir e olhar as coisas.  As idéias vão passando em nuvem, a gente tem que captar.
Pessoas que passaram em sua vida, paisagens, cidades, cheiros, cores, sabores, conversas ouvidas na rua, observações do quotidiano, reflexões políticas e filosóficas, bichos, coisas, gente, nossos afetos, nossa alegria e também nossa dor.
Tem um poema de meu primeiro livro, o O Evangelho de Jimi Rango, que veio de uma forma inusitada.  Surgiu numa época  em que morava em Santa Teresa, na Rua Triunfo. Acordei no meio da noite com um nome retumbando em minha cabeça: Jimi Rango. Anotei num pedaço de papel e fui dormir. Dias depois, acordei novamente com o mesmo nome na cabeça, Jimi Rango. Levantei da cama e escrevi O Evangelho de Jimi Rango à mão, de uma enfiada só, com pouquíssimas correções quando passei a limpo na máquina, nesta época não existiam computadores.  Já Sexo em Moscou surgiu numa noite de insônia. Fui lembrando de ícones do comunismo e comecei a criar piadas e rir sozinho.  Aí fui na escrivaninha e escrevi Sexo em Moscou rindo muito, contando uma piada para mim mesmo. No mesmo dia havia o lançamento de uma revista literária de Vitória, ES, num bar de Ipanema.  Quando cheguei lá me chamaram ao palco e eu falei que havia justamente acabado de escrever um poema e iria dizê-lo  pela primeira vez. Não  sabia ainda o título, se Amor em Moscou, se Sexo em Moscou. O Cazuza estava na platéia e gritou – Sexo em Moscou! Segui a sugestão do Cazuza e o poema ficou batizado assim. Me surpreendi com a reação da platéia. Todo mundo riu,  mas riu muito,  mas riu à beça, e não foi riso de hiena não, foi pura empatia. E,  no palco, a interpretação cresceu. Durante muito tempo, foi meu carro chefe. No momento, o carro chefe é Nada Vai Apagar Meu Sorriso, que tem tudo a ver no momento mundial que estamos vivendo. Gostaria muito de o ceder para a ONU, para que transmitisse amor e esperança nesse momento tão difícil. Se alguém souber o caminho das pedras para fazer o poema chegar lá, eu agradeço.

Artur Gomes – Seu poema preferido?

Mano Melo – Taí pergunta difícil de responder. São tantos poetas que me marcaram desde a infância, tantos! Mas guardo alguns poemas que para mim foram  essenciais: Tabacaria do Álvaro de Campos e O Guardador de Rebanhos do Alberto Caeiro, por exemplo, entre muitos.  Ou melhor dizendo, toda a poesia do Pessoa, tudo que ele  escreveu me emociona demais, tem tudo a ver comigo. Conheci Pessoa na minha juventude, aquelas Poesias Completas em papel Bíblia da Aguilar, ganhei de um tio. Foi um impacto muito grande na minha alma. A  descoberta de Fernando Pessoa em tão tenra idade,  acendeu a lâmpada de que meu destino na vida seria ser poeta. Quando descobri Fernando Pessoa, aos 17 anos, garoto chegando do Ceará  no Rio, minha vida nunca mais foi a mesma.

Artur Gomes – Qual o seu poeta de cabeceira?

Mano Melo – Fernando Pessoa. Desde que o li a primeira vez, , sou pessoano de carteirinha. Sou habitado por vários grandes poetas, de todas as nacionalidades, épocas e  escolas e não escolas, mas Fernando Pessoa é a minha referencia maior.

Artur Gomes – Em seu instante de criação existe alguma pedra de toque, algo que o impulsione para escrever?

Mano Melo – Quando vem uma idéia, fico tamborilando na cabeça, existe um pânico que leva a um adiamento. Vou tomar água, pego algo pra ler , ligo pra ver filme, vou na esquina,  supermercado ou vou dar uma volta na praia. Vou protelando o máximo possível começar. Até que chega um momento que não dá mais pra segurar, tenho que sentar e escrever. Uma vez, quando estava pela Índia, num hotel em Panaji, eu abri uma Bíblia ao acaso e li a seguinte frase do Apocalipse de São João:

“Escreve, pois, as coisas que vistes, as que são e as que hão de ser.”  

Para mim é o maior tratado de estética que alguém já escreveu, resume todo o significado da Arte, toda e qualquer Arte, escrever, pintar, filmar, dançar, encenar, qualquer arte enfim. O que o artista sente e vê, o que foi,  o que é ,  e o que há de ser. Tive um grande impacto com esta frase. Me sensibilizou tanto que peguei uma caneta Pilot e escrevi nas paredes do quarto.
No dia seguinte de manhã estava lá, tentei apagar com uma esponja,  só fez ficar borrado. Fiquei preocupadíssimo e fui  me desculpar com o dono do hotel, achando que ia levar a maior bronca. Quando ele viu a frase na parede como se fosse uma pintura e começou a rir. Os indianos têm essa capacidade de rir daquilo que não entende bem. Ufa! Pensei que ele ficaria injuriado, mas levou tudo na esportiva. Ficamos amigos para sempre. Todas as vezes que passei em Panaji me hospedava no seu estabelecimento.  
Mas voltando á frase do Apocalipse: me tocou de uma forma tão profunda, que jurei a mim mesmo que me transformaria numa máquina de escrever, para deixar meu testemunho como animal humano dos séculos XX e XXI.

Artur Gomes – Livro que considera definitivo em sua obra?

Mano Melo – Você quer dizer, dos livros que escrevi? Difícil destacar um só, todos os poemas são muito importantes. Meu primeiro livro, O Evangelho de Jimi Rango, estou reeditando agora com a Thereza Christina da Íbis Libris, tomara que a pandemia não atrapalhe. Mas estou com mais dois livros prontos para editar. 
Porém, todos os livros e trabalhos que editei eu sinto como filhos e é muito difícil dizer se gosta mais de um que de outro. Cada um tem sua importância,  sua vida própria.

Artur Gomes – Além da poesia em verso, já exercitou ou exercita outra forma de linguagem com poesia?

Mano Melo – Eu faço umas colagens como poesia visual, de vez em quando eu passo uma fase trabalhando nisso, gosto muito de poesia visual, é uma forma de expressão que se aproxima da arte plástica, sem deixar de ser poesia. Também tenho alguns roteiros pra cinema na gaveta, que mesmo sendo pra cinema, não deixam de ser poemas. Mesmo os dois romances  que editei, O Cangaceiro Elétrico e o Viagens e Amores de Scaramouche Araújo, não deixam de ser histórias contadas como um longo poema em prosa. Durante um certo período escrevi alguns interprogramas e roteiros para o Canal Futura. É um gênero diferente, mas também é poesia.

Artur Gomes – Qual poema escreveu quando teve uma pedra no meio do caminho?

Mano Melo – Tem um poema chamado Toque, que escrevi num momento muito triste da vida, um ponto de mudança profunda. Eu fiz como uma reflexão de não esquecer que existia o outro lado, os momentos de clarividência e luz. Também o Nada Vai Apagar Meu Sorriso, que foi concebido como um mantra, uma apologia de fé na vida, para quando as coisas ficam muito truncadas.

Artur Gomes – Revisitando Quintana: você acha que depois dessa crise virótica pandêmica, quem passará e quem passarinho?

Mano Melo – A crise passará. E os poetas, passaredos  voando por cima do medo. Sobreviveremos.

Artur Gomes – Escrevendo sobre o livro Pátria A(r)mada, o poeta e jornalista Ademir Assunção, afirma que cada poeta tem a sua tribo, de onde ele trás as suas referências. Você de onde vem, qual é a sua tribo?

Mano Melo – Eu sou da tribo da poesia oral, dos  que interpretam seus poemas nos palcos, eu sou da  turma da poesia falada, descendente dos aedos, dos jograis, dos menestréis e dos repentistas e improvisadores.  A poesia transcende a palavra escrita, ela pode ser também música e espetáculo.

Artur Gomes – Nos dias atuais o que é ser um poeta, militante de poesia?

Mano Melo – Ás vezes sinto as gerações como essas pessoas que correm na Olimpíada em revezamento. Cada geração vai passando o bastão para os que virão depois. Sempre no intuito de não deixar a peteca cair, ter consciência de que somos um elo histórico.
Desde que me conheço por gente, escrevo e interpreto poemas. Minha existência está dedicada a isto.
Eu recebi um imenso legado de todas as gerações anteriores, desde os antigos gregos até hoje, mais remoto ainda, talvez desde as cavernas, quando o homo sapiens ainda não dominava a palavra escrita e desenhava histórias de caçadas e sacanagens  nas paredes das cavernas. Esta   herança eu busco  passar adiante, para os que vierem depois de mim. Se me fosse permitido pedir aos deuses, eu pediria que as próximas gerações fossem mais reconhecidas  em termos profissionais, conquistassem o seu direito de viver condignamente de seu ofício, sem precisar perder tempo em coisas que não lhe dizem respeito.  
Assim como o músico vive de sua música, assim como o cantor vive de seu canto, assim como a dançarina vive de sua dança.  Já passei por muitos perrengues, hoje em dia já nem tanto, hoje em dia tá tudo nos trinques. Mas nisso eu fui radical, fiz de escrever e interpretar poesia, isto é, viver poeticamente,  minha razão de existir.

Artur Gomes – Em que ano você fez sexo em moscou?

Mano Melo – É muito difícil para mim guardar as datas. Mas deve ter sido aí pela primeira metade em algum ponto dos anos 80.

Artur Gomes – Onde você comeu a Madona, foi no Maracanã?

Mano Melo – Meu caro amigo Artur, quando a lenda for superior à realidade,  publique-se a lenda.

Artur Gomes – Quando o Mano a Mano com a poesia volta?

Mano Melo – Tenho muita saudade de fazer o Mano a Mano. Fiquei um tanto desanimado quando dançou o programa de rádio. Eu quero continuar fazendo, mas tenho que armar uma estratégia, para que o show aconteça mais forte do que ele já é.  Aguardem que depois da quarentena tem mais.

Artur Gomes  – Que pergunta não fiz que você gostaria de responder?

Mano Melo – Falta nada não. Fica combinado assim. Um grande abraço para todos.

 

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