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Claudio Cacau Leal

Nasceu no Rio de Janeiro, sendo sua família de Cabo Frio. É jornalista, poeta, artista plástico, compositor e editor. Publicou 6 livros de poesia, participou de várias antologias, recebeu diversos prêmios literários. Participou, ao longo de sua trajetória artística e literária de mais de 500 eventos ligado à Cultura em suas várias manifestações.
Cacau Leal, como é conhecido, é filiado à SBAT (Sociedade Brasileira de Autores Teatrais), à AMAR (Associação de Músicos, Arranjadores e Regentes) e à APPERJ (Associação Profissional dos poetas do Rio de Janeiro).
Cacau também é membro da UBE (União Brasileira dos Escritores) e da ACL (Academia Cabo-friense de Letras). Foi diretor de Cultura do SEERJ (Sindicato dos Escritores do Estado do Rio de Janeiro).
Seu nome é verbete do Dicionário Cravo Albin da MPB.

Artur Gomes – Como se processa o seu estado de poesia?

Cacau – Não penso nisso, porque não tenho um método preestabelecido. Meus poemas nascem da necessidade de expressar o que me asfixia, o que oprime o mundo, tudo aquilo que tenta proibir o direito de ir e vir. O que chamam de inspiração, chamo de reinvenção. A poesia reinventa mundos, espaços cósmicos, tempos oníricos, rotas. O estado de dar luz a um poema é o de embriaguez, de entrega à forma instantânea e ao conteúdo existencial. Se perder esse momento, perde o poema. Depois é lapidar o diamante bruto. Como disse apropriadamente Carlos Drummond de Andrade: “Escrever é arte de cortar palavras.”

Artur Gomes – Seu poema preferido?

Cacau – Difícil escolher um poema, porque todos vêm da mesma entranha. Uns acabam sendo continuação de outros; e isso é que é mágico, vertiginoso, visceral. Cada poeta tem um estilo, e esse estilo é que determina de certo modo a grande colcha de retalhos que dá vida à obra. Vide Guimarães Rosa, cuja linguagem é única e inconfundível desde as primeiras criações. Então, se o poema que escrevi não me faz voar, sair do chão, não publico. Às vezes rasgo, sem piedade.

Artur Gomes – Qual o seu poeta de cabeceira?

Cacau – Todos. Gosto de estar sempre lendo, porque a poesia é o ar que respiro noite e dia. Não gosto de tudo na obra dos poetas que leio. Um livro, porém, me marcou profundamente, quando eu ainda era novo: “A luta corporal” (1954), do poeta Ferreira Gullar. Quando terminei de ler o livro, disse para mim mesmo: isso é uma viagem explosiva, tem a força de mil cavalos, o encantamento de uma linguagem visceral. Outro livro que me marcou definitivamente: “Grande Sertão: Veredas”, onde encontrei a intensidade da poesia em prosa no mais alto teor estilístico dos escritores brasileiros. Me influenciou, continua me influenciando. É um poço sem fundo, “infinitivamente pessoal”, conforme reza num verso da letra “O quereres”, de Caetano Veloso.

Artur Gomes – Em seu instante de criação existe alguma pedra de toque, algo que o impulsione para escrever?

Cacau – A magia das palavras. As equações complexas de a gente existir sem quê nem por quê. A lógica estúpida da escravidão. Os sentimentos circunstanciais. O vazio. O nada. A vida. A morte. O silêncio.

Artur Gomes -Livro que considera definitivo em sua obra?

Cacau“O inferno cronológico”, texto em prosa poética publicado em 2011 pela Oficina Editores; e republicado em 2016 como parte integrante do meu quinto livro: “Insubordinação mental”, Dowslley Editora. Encontra-se no momento sendo vertido para o francês.

Artur Gomes – Além da poesia em verso, já exercitou ou exercita outra forma de linguagem com poesia?

Cacau – Tenho vários textos em prosa poética, linguagem que muito me estimula, por se concretizar nos limites das construções estruturais da poesia e da prosa. É algo que venho desenvolvendo desde 2005, com a publicação do livro “Cabo Frio: o vento fala”. De lá até então já são 5 textos no corpo dos 3 últimos títulos publicados. Sou também letristas de vários parceiros, com aproximadamente 200 composições e integro o Dicionário Cravo Albin da MPB.

Artur Gomes – Qual poema escreveu quando teve uma pedra no meio do caminho?

Cacau–Vários. Não tenho pedras no caminho, tenho pedregulhos. Certa vez tentei um suicídio pueril, mais próximo do pensamento efêmero do que do ato definitivo, real. Então pesei e ponderei e acabei escrevendo um poema. Tem tanto tempo, décadas, que já não me lembro do poema nem do destino dele. Continuo aqui, vivo. Se encontrar, jogo no lixo. 

Artur Gomes – Revisitando Quintana: você acha que depois dessa crise virótica pandêmica, quem passará e quem passarinho?

Cacau – Quem morrer desconhecido, passa, desparece; quem morrer reconhecido por algum feito, fica o nome e a obra. Quem não morrer, vai ter muita dor de cabeça. Vai faltar dinheiro; e dinheiro é um gás, veneno puro. Quem tiver algum, vai economizar até na hora de comprar papel higiênico; quem não tiver, vai passar sufoco na hora da higiene pessoal.

Artur Gomes – Escrevendo sobre o livro Pátria A(r)mada, o poeta e jornalista Ademir Assunção, afirma que cada poeta tem a sua tribo, de onde ele traz as suas referências. Você de onde vem, qual é a sua tribo?

Cacau – Minha tribo vem de Oswald de Andrade, Pagu, passa por Hélio Oiticica, Caetano Veloso, Gil, Jorge Benjor, Rimbaud, Baudelaire, Tanussi Cardoso, Mano Melo, Vera Versiani, Samaral, Paco Cac, Margô, Teresa Jardim, Kiko Chaves, Artur Fulinaíma, Rita Lee, Raul Seixas, Bethania, Gal, etc e tal. Mas em se tratando de poetas e movimentos, a primeira tribo foi a Feira de Poesia Independente da Cinelândia, no começo dos anos 80. Nela se reuniam,em frente à escadaria da Câmara Municipal, poetas, pintores, músicos, atores, malabaristas, vigaristas, putas, princesas, transeuntes bêbados e mais e mais e mais e muito. Era um encontro que se dava todas as sextas-feiras, indo madrugada afora, com muita doideira, garra, transgressão, liberdade sexual, doença venérea e vinho. Todo mundo transava com todo mundo e tudo bem. Poesia mesmo, verdadeira, libertária, visionária. Com a fim da Feira em 1983, cada qual tomou rumo diverso ou foram participar de outros movimentos. O Circo Voador tinha se transferido de Ipanema para a Lapa. Muita gente migrou pra lá. 

Artur Gomes – Nos dias atuais o que é ser um poeta, militante de poesia?

Antigamente os poetas vendiam seus trabalhos nos bares, nas ruas, de mão em mão. Atualmente isso deixou de existir por conta das redes sociais. O Rio, conhecida e reconhecida como a capital da poesia, continua tendo muitos eventos, encontros, saraus. O poeta milita onde há espaço propício pra isso. Exemplo disso é o grande número de espaços,onde a poesia vem desabrochando, lisergicamente, para um público curioso pelo poder mágico da palavra. A poesia oral voltou com força total e vem conquistando alquimistas do verbo.Não dá pra relacionar aqui uns espaços por conta de omitir outros. Mas os espaços são muitos e há até aqueles que reúnem, num mesmo ambiente, poetas acadêmicos e do slam, poetas da leitura contida e da manifestação oral. É uma explosão maravilhosa de palavras, um jorro magnífico de versos, um gozo poético incontrolável.

 

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